A portaria nº
82/2014 publicada no passado dia 10 de Abril, e o relatório sobre Centros de
Referência, publicado recentemente (mais um dos muitos estudos encomendados
pelo Ministério da Saúde, com conclusão pré-definida), são dois documentos que,
não sendo coincidentes, são concordantes e têm os mesmos objetivos, pois
consideram um conjunto de orientações que são parte de uma estratégia que visa
desregular o Serviço Nacional de Saúde (SNS) da qual beneficiam diretamente os
interesses do grande capital neste sector, pelo que devem ser lidos de forma
integrada.
Estamos perante um ataque sem precedentes ao SNS.
Por mais que o
governo procure manipular a realidade, a verdade incontornável, é que a
generalidade das decisões que tem tomado são parte do objetivo de criar em
Portugal um sistema de saúde a duas velocidades: um serviço público
desvalorizado, centrado num conjunto mínimo de prestações garantidas e outro,
controlado pelo grande capital, sustentado numa rede de seguros de saúde e da
prestação de cuidados pelo sector privado, em parte financiados com dinheiros
públicos, como vem acontecendo com o Regime Convencionado onde se integra a
ADSE e os outros subsistemas públicos. Tal como foi confirmado recentemente
pela Associação Portuguesa de Hospitalização Privada, a ADSE e os outros
subsistemas públicos pagam mais de 500 milhões de euros/ano a privados pela
prestação de cuidados de saúde aos seus beneficiários.
Não está em causa a
existência de centros de referência constituídos de forma equilibrada, nem a
necessidade de definir a tipologia dos serviços e estabelecimentos do SNS,
sempre com a preocupação de melhorar a prestação de cuidados. Mas o que o
conteúdo destes dois documentos visam, ao contrário do que é afirmado pelos
responsáveis do Ministério da Saúde, não é a intenção de «aumentar a eficiência
e reduzir custos, assegurando a melhoria da qualidade da prestação de cuidados
e resultados alcançados, de forma a garantir o seu crescimento e sucesso
sustentados». O que procuram concretizar com o plano em desenvolvimento, é
muito claro: destruir o SNS tal como ele está consagrado na Constituição da
República Portuguesa (CRP).
Passados 40 anos da
Revolução de Abril e 35 anos da consagração institucional do SNS, aqui está
mais um ajuste de contas contra esta importante conquista de Abril, por parte
daqueles que sempre olharam, não para a saúde mas para a doença, como uma
grande oportunidade de negócio.
No início deste
mês, teve ampla divulgação pública os dados que confirmam uma transferência
significativa do público para o controlo dos grupos económicos e financeiros,
na prestação de cuidados de saúde.
Segundo o INE e
comparativamente com 2003, são mais 14 as unidades hospitalares privadas e
menos 3, as do sector público. Mas não é esta a única, nem a principal razão,
para esta transferência de cuidados de saúde do público para o grande capital.
A resposta para esta alteração, encontra-se na opção ideológica deste governo
que se tem traduzido, entre outras decisões: no subfinanciamento das
instituições públicas (menos 1,4 mil milhões de euros nos últimos cinco anos)
no encerramento e desarticulação de muitos serviços, no não aproveitamento da
capacidade instalada nos hospitais do SNS (os últimos dados indicam que os
hospitais privados já fazem cerca de 28% das consultas externas e 27% dos atos
complementares de diagnóstico).
A portaria nº 82/2014, agora publicada, encerra
entre outros, quatro grandes objetivos:
- desinvestir nos
cuidados hospitalares através da desclassificação de unidades hospitalares, o
que levará ao fecho de serviços (alguns deles de grande qualidade técnica e
experiência profissional) e do seu subfinanciamento – mais um corte de 120
milhões de euros em 2014 nas entidades EPE;
- despedir milhares
de profissionais de saúde e impor a mobilidade forçada a muitos dos que
ficarem;
- limitar o acesso
dos doentes à prestação de cuidados hospitalares, afastando os serviços das
áreas de residência dos utentes, obrigando-os a deslocações de dezenas e mesmo
centenas de quilómetros com custos incomportáveis para a grande maioria;
- contribuir para
viabilizar as unidades de elevada tecnologia dos grupos económicos e
financeiros que ainda não puderam ser rentabilizadas, porque a capacidade
instalada e a competência do SNS o não tem permitido.
No concreto, o que
a portaria aponta até Dezembro de 2015, é a intenção do governo de encerrar 24
maternidades devido ao facto dos hospitais onde estão instaladas ficarem
classificados no Grupo I e por isso perderem a especialidade de Obstetrícia,
eliminar da relação de hospitais públicos as especialidades médicas de
endocrinologia e de estomatologia, eliminar os hospitais pediátricos, o mesmo
acontecendo ao Instituto Oftalmológico Dr. Gama Pinto e a dois dos seis
serviços de cirurgia cardiotorácica (Hospital de Gaia e Hospital de Santa
Cruz). Por exemplo, no caso do Hospital de Santa Cruz, unidade que integra o
Centro Hospitalar Lisboa Ocidental EPE, foi classificado no grupo II, perdendo
assim as valências de cirurgia cardiotorácica, cardiologia pediátrica,
valências em que é uma referência no plano nacional, tal como o Hospital
Gaia/Espinho.
Tal como já vinha
sendo ventilado, os Hospitais de Anadia, Cantanhede e Ovar, desaparecem da rede
de hospitais públicos. O seu destino será a entrega às misericórdias, nalguns
casos para serem transformados em Unidades de Cuidados Continuados, ou mesmo a
sua privatização.
Certamente vamos
assistir nas próximas semanas a sucessivas declarações de responsáveis do
Ministério da Saúde, no sentido de iludirem as suas intenções, afirmando que
são soluções que visam a racionalidade dos meios e dos serviços, que não estão
fechadas, exatamente o que têm feito noutras ocasiões com os resultados que
todos conhecemos. Ou seja, o objetivo inicial mais cedo ou mais tarde é
concretizado.
O PCP que tudo fará
para impedir a concretização de mais este esbulho, apela aos profissionais de
saúde e aos portugueses em geral, que respondam a mais esta ofensiva contra o
SNS, lutando de forma articulada em defesa do acesso aos cuidados de saúde e do
instrumento consagrado constitucionalmente para a sua concretização, o Serviço
Nacional de Saúde.
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