A
proposta de Orçamento do Estado para 2014 apresentada pelo Governo PSD/CDS
constitui um passo significativo na agudização da crise, mantendo intocáveis os
objectivos de agravamento do roubo dos trabalhadores e reformados e
reconfiguração do Estado à medida da banca e dos grandes grupos económicos.
Esta
proposta de OE assume, tal como as duas anteriores, o confronto com a
Constituição e a concepção de democracia nela inscrita.
Ao
contrário do que a propaganda do Governo procura fazer crer, não há nesta proposta
de Orçamento do Estado qualquer repartição equitativa de sacrifícios entre o
Trabalho e o Capital. Não há sequer distribuição de sacrifícios.
Todos
os sacrifícios resultantes desta proposta de Orçamento recaem sobre os
trabalhadores e o povo, continuando o produto do saque a ser distribuído pela
banca, os especuladores e os grandes grupos económicos.
Agravam-se
as medidas de roubo nos salários e nas pensões adotadas nos orçamentos do
Estado de 2012 e 2013. Se no OE 2013 o roubo de salários e pensões foi agravado
pelo “enorme” aumento da carga fiscal em sede de IRS (cerca de 3.000 milhões de
euros adicionais relativamente a 2012), em 2014 o agravamento é consumado
através de um corte adicional de salários e pensões (que se acumula ao roubo
por via do IRS – 3.300 milhões de euros a mais do que em 2012).
A
par disso, agravam-se as medidas de ataque aos trabalhadores da administração
pública, correndo em paralelo com o Orçamento do Estado um conjunto de outras
medidas gravosas para os trabalhadores e reformados como o aumento do horário
de trabalho para as 40 horas, o corte das pensões da CGA através da designada
convergência e os despedimentos, diretamente ou por intermédio da designada
requalificação.
Cerca
de dois terços (2.211 milhões de euros) do valor das chamadas medidas de
consolidação orçamental são suportadas diretamente por cortes nos salários e
nas pensões dos funcionários públicos, trabalhadores das empresas públicas e
aposentados da CGA, afetando 685.000 trabalhadores do Estado (90%) e 302.000
aposentados da CGA (50%). Se a estes cortes somarmos as medidas que afetam as
funções sociais do Estado, então 82% (3.200 milhões de euros) da consolidação
orçamental é obtida à custa dos trabalhadores, reformados e pensionistas.
Ao
mesmo tempo, o esforço adicional exigido à banca (50 milhões de euros) e ao sector
energético (100 milhões de euros) representa apenas cerca de 4% dessa
consolidação orçamental, um pretenso sacrifício certamente mais que compensado
com as medidas relativas à reforma do IRC e outras prebendas em preparação.
Esta
proposta de Orçamento do Estado constitui ainda um passo agravado na
reconfiguração do Estado à medida dos interesses da banca e dos grandes grupos
económicos, à custa dos rendimentos dos trabalhadores e em prejuízo dos direitos
sociais – saúde, educação e segurança social - e laborais e da própria
democracia. É um novo desrespeito pela Constituição.
Este
é um Orçamento que impõe um Estado mínimo para os trabalhadores e as famílias e
um Estado máximo para o grande capital.
A
pretexto da necessidade de redução do défice, impõem-se cortes brutais nas
funções sociais do Estado, particularmente na saúde (-9,4%, menos 848 milhões
de euros) e na educação (-7,1%, menos 570 milhões de euros) que acumulam aos já
efectuados nos últimos dois anos.
Em
sentido contrário a estes cortes regista-se a evolução dos juros da dívida
pública que aumentam para 7.324 milhões de euros.
A
confrontação destes números demonstra claramente que, contrariamente ao que
afirma a propaganda governamental, o Pacto de Agressão foi assinado, não para
evitar que o Estado ficasse sem dinheiro para pagar salários e pensões, mas
para garantir que os credores nacionais e estrangeiros receberiam o capital e
os juros da dívida pública até ao último cêntimo.
Anuncia-se
um corte de mais 1.000 milhões de euros no investimento público, no que pode
ser considerado uma política de marcha atrás no desenvolvimento das infraestruturas,
bens e equipamentos públicos. Com a agravante de, para além das consequências
imediatas - desemprego, recessão -, condicionar fortemente o futuro do país que
ficará ainda mais atrasado e dependente.
Mantém-se
a intenção de prosseguir o programa de privatizações/concessões, designadamente
nos sectores dos transportes, água e saneamento, resíduos, energia e portos e
outros benefícios continuarão a ser canalizados para o grande capital.
Aumentam
os encargos líquidos com as PPPs que quase duplicam (de 869 para 1.645 milhões
de euros), a que se somarão eventuais encargos com os contratos swap celebrados
entre empresa públicas e o Banco Santander.
É
de salientar que o acréscimo de encargos com as PPPs (776 milhões de euros) é
superior à redução da despesa resultante do corte das pensões a 302.000
aposentados da CGA (728 milhões de euros).
A
alteração ao Código do IRC é apresentada com o argumento do apoio às MPME's mas
tem, de facto, apenas a preocupação de isentar o grande capital de impostos. Se
a intenção fosse apoiar as MPME teriam tomado a decisão de baixar, por exemplo,
a taxa do IVA para a restauração, sobre a qual nada se diz.
A
redução da taxa do IRC sucessivamente ao longo de 4 anos traduzir-se-á numa
diminuição acentuada da receita fiscal (em 2014 de, pelo menos, 70 milhões de
euros) mas os benefícios dessa redução da taxa do imposto far-se-ão sentir nos
lucros dos grandes grupos económicos e da banca, não beneficiando a
generalidade das MPME.
É
de salientar que esta descida do IRC ocorre em paralelo com a manutenção em
valores muito elevados do IRS. Se em 2011 os trabalhadores portugueses já pagavam
de IRS quase o dobro do IRC pago pelas empresas, em 2014 o IRS será quase o
triplo do IRC. Esta é também uma marca da política de classe deste Governo.
Acresce
ainda, no que diz respeito aos benefícios à banca, que o OE dá ao Governo
autorização para garantir emissões de dívida realizadas pelas instituições de
crédito no montante de 24.670 milhões de euros, mais 2,28% do que em 2013 (+550
milhões de euros), quando o stock da dívida garantida pelo Estado à banca é já
de 14.475 milhões de euros.
A
proposta de Orçamento do Estado constitui ainda um logro programado nos
objetivos que aponta em relação à evolução da situação económica e social do
país.
O
sucessivo incumprimento dos objetivos de consolidação orçamental – a redução do
défice orçamental e da dívida pública –, quase que proclamados pelo Memorando
da Troica como um desígnio nacional, não constitui um problema para o Governo e
para a Troica. Na realidade, a manutenção do défice acima dos 3% e da dívida
pública (muito) acima dos 60% constitui o pretexto ideal para se ir impondo a
política de saque aos rendimentos do povo português, com a cobertura do Pacto
de agressão ou com a mesma cobertura numa diferente designação de programa
cautelar ou segundo resgate. Esta leitura é sustentada pelo facto de, desde a
assinatura do Pacto de Agressão, terem sido impostos 20.000 milhões de euros de
medidas de austeridade contra os trabalhadores e portugueses em geral, sem que
o défice tenha diminuído significativamente (de -4,4% em 2011 para -4,0% em
2014).
Na
proposta de OE 2014, o Governo prevê um crescimento do PIB de 0,8%. Tal como em
2013, esta estimativa é propositadamente otimista ao não ter devidamente em
conta os efeitos recessivos da austeridade.
Igualmente
não parece ter fundamento a perspetiva de crescimento do investimento, nem a
procura externa líquida parece justificar a passagem da recessão de -1,8% para
um crescimento de 0,8%, já que o crescimento das exportações desacelera e o das
importações acelera.
Ainda
que se verificasse o crescimento previsto pelo Governo, esse crescimento sempre
seria anémico e não se traduziria nem em mais emprego, nem num acréscimo da
qualidade de vida dos trabalhadores, sobretudo se acompanhado de duríssimas
medidas de redução dos rendimentos e dos direitos desses mesmos trabalhadores.
Num quadro de aprofundamento do desequilíbrio na distribuição de riqueza entre
o trabalho e o capital – a favor deste último – um crescimento do PIB
continuaria a reverter a favor do capital.
Tal
como em 2013 – em que, apesar do enorme aumento de impostos e demais medidas de
austeridade, a redução do défice se deverá cifrar em apenas 863 milhões de
euros – o objetivo de redução do défice não será provavelmente atingido, mas
permitirá ao Governo justificar mais uma brutal redução de rendimentos dos
trabalhadores, e em especial dos trabalhadores e aposentados da Administração
Pública, assim como cortes adicionais nas funções sociais do Estado.
Quanto
à dívida, o próprio Governo reconhece que vai continuar a aumentar em termos
nominais, embora aponte para uma redução em percentagem do PIB, previsão sem
qualquer credibilidade.
Constata-se
ainda que as previsões do Governo estimam um agravamento do desemprego face a
2013 para 17,7%, certamente subestimadas mas ainda assim mantendo-se num nível
muito elevado, com todas as consequências que essa realidade acarreta em termos
sociais mas também de desaproveitamento de capacidade produtiva do país.
Propostas a
apresentar pelo PCP
Recusando
as opções políticas assumidas pelo Governo PSD/CDS, o PCP apresentará um
conjunto de propostas de alteração ao Orçamento do Estado que afirmem a
política alternativa, patriótica e de esquerda de que o país necessita para
sair da grave situação em que se encontra, assumindo como elemento
indispensável para a sua concretização a ruptura com o Pacto de agressão e a
política de direita.
Propostas
que defendam os salários, as pensões e as prestações sociais, que defendam as
funções sociais do Estado como elemento essencial para a concretização de uma
democracia nas suas múltiplas dimensões política, económica, social e cultural.
Propostas que apontem
uma outra política económica mas também uma mais justa redistribuição da
riqueza.
Recusando
o condicionamento da redução do défice acordada entre o Governo e a troica, e
reafirmando que essa meta para o défice de 4% do PIB é apenas o pretexto para
impor uma política de gravíssimas consequências económicas e sociais, o Grupo
Parlamentar do PCP terá ainda assim em conta a necessidade de compensar
propostas de aumento da despesa com o correspondente aumento da receita ou a
substituição de despesa.
É
nesse sentido que afirmamos, desde já, o compromisso de apresentar 3 propostas
que permitam a redução substancial da despesa do Estado, não à custa dos
trabalhadores e do povo como faz o Governo mas travando o escoamento de
dinheiro público para os cofres da banca e dos grandes grupos económicos,
nacionais e estrangeiros:
1 – Renegociação da
dívida
Proporemos
um regime de renegociação da dívida pública que, assumindo apenas o pagamento
da dívida pública legítima e considerando a necessidade de alargamento dos
prazos de pagamento, estabeleça como limite para o pagamento de juros, em 2014,
um montante máximo correspondente a 2,5% do valor das exportações de bens e
serviços, no caso um limite máximo de 1.660 milhões de euros.
A
proposta deste mecanismo parte da constatação de que pagar aos credores todos
os juros da dívida até ao último cêntimo, como pretendem a troica e os partidos
que subscreveram o Pacto, é impossível sem o colapso económico e mesmo a
bancarrota.
Com
esta proposta assegura-se que o país paga a dívida sem empobrecer, assumindo
esse compromisso de pagamento na medida das possibilidades que resultem da
situação económica em que se encontra.
Esta
proposta será acompanhada da exigência de que essa renegociação não atinja os
pequenos aforradores nem as entidades do sector público administrativo e
empresarial do Estado que sejam detentoras de dívida pública.
Com
esta proposta estima-se uma poupança de 5.664 milhões de euros na despesa do Estado.
2 – Objetivo encargos
0, extinção e reversão das Parcerias Público-Privadas (PPP)
Apresentaremos
igualmente uma proposta destinada a assegurar, em 2014, o objetivo de o Estado
anular os encargos com as PPP, garantindo apenas a transferência para as
entidades concessionárias das receitas obtidas com a exploração e assegurando,
excepcionalmente, os recursos adicionais necessários à prestação dos serviços e
a manutenção dos postos de trabalho quando aquelas receitas não sejam
suficientes para o efeito.
Esta
medida transitória será acompanhada do recurso aos meios legais disponíveis e
adequados a desencadear o processo de extinção das PPP e obter a consequente
reversão para o Estado.
Com esta proposta
estima-se obter uma poupança máxima de 1.645 milhões de euros na despesa do
Estado
3 – Anulação dos
contratos swap e respectivas perdas potenciais
Apresentaremos
ainda uma proposta no sentido de promover a anulação dos contratos swap ainda
existentes entre entidades e empresas públicas e o Banco Santander, eliminando
as perdas potenciais que lhes estão associadas.
Com
esta proposta estima-se obter uma poupança máxima de 1.225 milhões de euros na
despesa do Estado.
Com
o efeito acumulado destas propostas, a despesa do Estado seria reduzida num
montante global entre 6.100 e 8.600 milhões de euros.
Sem comentários:
Enviar um comentário